Certa Esquerda “Antiimperialista” e o Terrorismo

[ por Daniel Golovaty | revisado em 14|12|2023 | especial para o PAZ AGORA|BR ]

Um fenômeno que estamos vendo crescer com a presente guerra entre Israel e o Hamás é o alinhamento incondicional de certa esquerda dita “antiimperialista” ao grupo terrorista que perpetrou o massacre de 7 de Outubro, bem como ao seu programa de destruir Israel. A chave para legitimar publicamente tal projeto iníquo é caracterizar o sionismo como uma ideologia essencialmente racista e colonialista.

Ora, mas o sionismo não é uma ideologia e sim o movimento pelo direito do povo judeu à autodeterminação nacional – um movimento que sempre possuiu não uma, mas várias ideologias, indo elas da extrema-direita à extrema-esquerda do espectro político. A autodeterminação nacional é um direito universal, reconhecido a todos os povos e em relação ao qual, hoje, urge lutar para que seja garantido também ao povo palestino.

Mas por que, então, esta esquerda “antiimperialista”, em vez de lutar junto com as forças democráticas do movimento nacional palestino e com os judeus e israelenses progressistas pelo fim da Ocupação e pela criação de um Estado Palestino soberano e viável ao lado Israel, se alinha a grupos como o Hamás e o Hezbollah, no seu projeto de destruir Israel – um projeto cuja implementação engolfaria necessariamente toda a região numa catástrofe?

A resposta reside no fato de que tais “antiimperialistas” não possuem nenhum compromisso verdadeiro nem com a democracia, nem com a paz, nem com o princípio de autodeterminação dos povos, nem, tampouco, com o direito internacional ou qualquer noção autêntica de justiça.

Trata-se, aqui, de pessoas que transformaram a ideia de antiimperialismo numa cosmovisão de tipo maniqueísta, a qual – como todo maniqueísmo – está calcada no ódio ao Inimigo absoluto, a saber: os Estados Unidos e Israel.

São dois países, mas o Inimigo se diz no singular, na medida em que, para tal esquerda, ambos se encontrariam fundidos numa única essência maligna, cujos pérfidos desígnios envolveriam nada menos do que a dominação mundial, objetivando impor “aos povos” a ordem do Capital, com sua corrupção e dissolução inerentes. É neste ponto que fazem frente comum com o extremismo islâmico.

Mas qualquer leitor de Marx sabe que o Capital não está encarnado em nenhum ente particular, visto que sua dominação é impessoal, exercendo-se igualmente em toda parte onde ele organiza as relações de produção. Assim, Rússia, Irã, Síria, Afeganistão e mesmo a China são tão capitalistas quanto os Estados Unidos, Israel, Brasil, etc. Entender o Capital, com seu poder abstrato, global, misterioso e intangível como encarnado em um ente particular é justamente aquilo que o grande marxista americano Moishe Postone chamou de forma fetichizada de anticapitalismo, aquela que, justamente, caracterizou o antissemitismo nazista [1]. Com efeito, afirma Postone: 

“Na direita alemã de há cem anos, a dominação global do capital costumava ser considerada como dos Judeus e da Grã Bretanha. Hoje em dia a Esquerda encara esse domínio como o de Israel e os EUA. O padrão de pensamento é o mesmo. Temos agora uma forma de antissemitismo que aparenta ser progressista e ‘antiimperialista’; o que constitui um verdadeiro perigo para a esquerda.” [2]

Para comprovar o profundo caráter antissemita e antidemocrático deste antissionismo de fancaria, basta atentarmos para as posições que tais “antiimperialistas” assumem em relação aos conflitos internacionais. Senão, vejamos. Recentemente, Breno Altman publicou artigos no jornal Folha de São Paulo, nos quais, após seu costumeiro besteirol sobre “o sionismo” e Israel, defende a insólita ideia de iniciar a Terceira Guerra Mundial para, supostamente, garantir “negociações de paz” entre israelenses e palestinos.[3] Também – e de forma igualmente insólita – alega pugnar por uma Palestina “laica e democrática”, a qual seria produzida violando o direito de autodeterminação dos israelenses, após a destruição de Israel pelos “laicos e democráticos” Hamas, Hezbollah e Irã (com  a ajuda, talvez, de Putin, Xi Jinping e do carrasco de Damasco). Tal paradoxo caracteriza uma espécie de loucura moral, típica do que denominei de “esquerda dissociada” [4].

Mas quem realmente é Breno Altman? Quais são suas posições ideológicas? Qual, enfim, é a sua “ópera”? Trata-se aqui de um stalinista assumido e orgulhoso, bem como apoiador de longa data do camarada Putin. Tanto que, quando a aviação russa destruía as cidades ucranianas, lacrava no facebook: “nada de grande na História se faz sem violência. Que a violência faça o seu trabalho!”.

Este jornalista, de formação pravdaniana, cujo programa de entrevistas é popular em certos meios de esquerda, festejou publicamente o massacre de 7 de Outubro, quando então proferiu o seguinte voto, nada piedoso: “é preciso agora que o Hezbollah entre na guerra, para aumentar as perdas sionistas”.

É necessário esclarecer que “os sionistas”, para este senhor, são tipos homogêneos e de essência perversa, cujas diferenças seriam superficiais e, sobretudo, enganosas. Estariam por toda parte, conspirando e praticando malvadezas. Geralmente, também estariam ligados aos nazistas, o que explicaria, para tal sumidade, o “apoio sionista” à Ucrânia na guerra que esta teria “imposto” à Rússia.

É por isso também que este jornalista de opereta compara publicamente sionistas a “ratos”. E, como se não bastasse, Altman anda difundindo pelas redes a falsidade repugnante de que teria sido o Exército israelense o responsável pelo assassinato da maioria dos civis no massacre de 7 de Outubro. E também que não haveria provas de crimes sexuais praticados contra as judias israelenses.

Como se pode constatar, um Breno Altman defender a liberdade, a justiça e a paz entre os povos soa tão verossímil quanto um “Jack, o estripador” sair por aí defendendo os direitos das mulheres.

Estamos diante de uma nova forma de barbarismo totalitário que, tal como a Alemanha nazista, tem por sua principal estratégia política promover uma guerra contra Israel e os judeus “sionistas”, apontados como a principal fonte dos males do mundo. Este totalitarismo, que une certa esquerda ao extremismo islâmico e que busca o apoio de regimes autoritários como os da Rússia e China constitui uma das maiores ameaças atuais à liberdade, à solidariedade e à paz entre os povos, bem como à busca por uma ordem social mais justa e igualitária, a qual só pode ser produzida por regimes democráticos.

Enfim, um verdadeiro inimigo da Humanidade.

Daniel Golovaty. Bacharel em História pela USP. Psicanalista e membro dos Amigos Brasileiros do Paz Agora.


[1] https://www.marxists.org/portugues/postone/1986/mes/40.pdf

[2] https://www.marxists.org/portugues/postone/2011/09/40.pdf

[3] “Uma saída urgente e efetiva, contudo, dependeria que a rebelião anticolonial ganhasse mais corpo na Cisjordânia, chancelando a unidade palestina contra as forças de Ocupação, e que outros atores se envolvessem militarmente. Isso seria possível, por exemplo, com a mobilização plena do Hezbollah, em aliança com Síria e Irã, sob o aval de Rússia e China.” Ver jornal Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/11/quem-ira-parar-a-mao-assassina-de-israel.shtml

[4] https://revistarosa.com/8/israel-palestina/genocidio-em-gaza

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