Pode a Esperança Sobreviver à Última ‘Rodada’ Israel-Gaza?

O hebraico moderno, especialmente em seus jargões militares e políticos, tende a refletir o estado da nação. Assim, Israel não mais combate em “guerras” ou lança “operações” em Gaza.

A palavra da hora agora é sevev, significando “rodada” e, no caso de Gaza, ainda mais uma rodada – de confrontos aparentemente intermináveis.

A palavra sevev pertence a um vocabulário de desesperança. Relaciona-se também ao verbo bíblico sovev naquele grande hino bíblico à futilidade nas Eclesiastes. Na excelente tradução de Robert Alter,  “rodando e rodando vai o vento, e em suas voltas o vento retorna” (1:6). “. No mesmo espírito, muitos observadores viram os choques entre Israel e Gaza em meados de maio passado como uma força cíclica da natureza. Nada de novo abaixo do sol.

Errado. Desta vez, houve uma novidade. O vento maldoso que lançou foguetes de Gaza para Israel e as bombas de Israel para Gaza em maio foram disparadas diretamente da residência do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, destruindo a coexistência árabe-judaica dentro de Israel em seu caminho. E poderia ter levado à sua extinção.

Para ser justa com Netanyahu, ele provavelmente não teve a intenção de fazer mais uma “rodada”, nem de que Jerusalém e Tel Aviv se tornassem alvos. Mas ele estimulou tanto a polícia quanto os grupos judeus e extrema-direita a provocar os palestinos da Jerusalém Oriental, que por sua vez romperam a delicada coexistência de judeus e árabes nas cidades mistas de Israel, trouxe violência às suas ruas e uma barragem de obscenidades racistas às redes sociais, culminando numa “rodada” em Gaza que, diferente das anteriores, não foi feita pela iniciativa do Hamas ou Jihad Islâmica.

Foi uma consequência não intencional do esforço de Netanyahu para tirar dos trilhos a “coalizão de mudança” anti-Likud, que seus três rivais, Yair Lapid, Gideon Sa’ar e Naftali Bennett, estavam a ponto de assinar. Algum grau de tensão entre árabes e judeus era crucial para a sobrevivência de Netanyahu, para puxar Bennett e talvez Sa’ar de volta para o grupo do Likud, mas eles perceberam a armadilha. Para o único propósito de prolongar o seu mando, então, Netanyahu faz de inimigos todos os palestinos, unindo uma ampla demografia de extremistas e silenciando a miríade de moderados.

Moderação é uma multitarefa moral – cuidar de sua própria gente e ao mesmo tempo de outros.

Um cessar-fogo foi negociado e, enquanto escrevo, o longo regime de Netanyahu pode finalmente ter terminado. Mas a “rodada” de Gaza ainda produziu dois tipos de perdedores: os inocentes e os moderados. Estes incluem todos civis não envolvidos e todas crianças de Gaza e milhares de mulheres e homens dentro de Israel que apoiaram a solidariedade, confiança e boa vizinhança entre judeus e árabes,

Diversamente de “rodadas” anteriores – essa horrível palavra de novo – desta vez extremistas judeus e suas contrapartes árabes, desvendaram tecidos de coexistência que floresceram calmamente por décadas.

Por anos, manifestantes anti-Netanyahu foram acusados de alvejá-lo “pessoalmente”. Para mim, esta “rodada” também foi pessoal

Minha mãe, aos 81, tendo vivido dez guerras, teve que correr para o abrigo por três vezes à noite, enquanto mísseis explodiam sobre Tel Aviv. Meu filho, educador, viu seu duro trabalho, junto a jovens judeus e árabes, parcialmente destruído.

Minha família testemunhou o colapso da frágil coabitação mesmo em seu próprio e idílico lar no Sul do Carmel, com vândalos árabes jogando pedras em motoristas e interrompendo o tráfego em duas estradas importantes.

Será que toda esperança por coexistência acabou?  Não. No meio da “rodada”, meu marido Eli e eu, com nosso filho Nadav e 300 outros judeus e árabes, fomos a um grande cruzamento de estradas entre nossa cidade e a vizinha aldeia árabe de Fureidis, e oferecemos flores a centenas de motoristas.

Vi um motorista de ônibus árabe emocionado às lágrimas quando Nadav lhe deu uma flor. Juntaram-se pessoas de Fureidis, sorrindo e dando-nos as mãos.  A notícia se espalhava e os dois prefeitos também vieram.

A mesma coisa aconteceu em pelo menos seis diferentes lugares do país. E em muitos hospitais, as equipes médicas de árabes e judeus, abençoadas sejam, fizeram vídeos de fraternidade e solidariedade.

Por anos, venho dizendo que as coisas aqui podem piorar antes que melhorem. Talvez, diz Eli, tenhamos alcançado o ponto mais baixo.  Mas a história não é um pêndulo. É feita de decisões humanas. Nós israelenses podemos ter sucesso em mudar o nosso governo, mas precisamos continuar lutando para mudar algo muito mais difícil, muitos dos nossos próprios corações.

Palestinos moderados, em todos lugares, precisam, de coragem, persistência e apoio. Também precisamos do presidente americano Joe Biden e do resto da comunidade internacional de adultos responsáveis para atuarem.

O fanatismo, dizia meu falecido pai, é o pior inimigo de liberdade humana. Deixe-me adicionar uma definição de moderação: é a capacidade de multitarefa normal – cuidar da sua própria gente e de Outras pessoas também. Alguns dos alunos adolescentes do meu filho, judeus e árabes, já estão se reagrupando para trabalhar para coexistência.

Então, aqui estamos, agarrados à esperança no Monte Carmel e esperando que alguma sabedoria salomônica volte a brilhar desde Jerusalém.

 [ por FANIA OZ-SALZBERGER | publicado em 03|06|21 | MOMENTMAG.COM | Traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR ]

[Fania Oz-Salzberger é Historiadora, ensaísta e professora da Universidade de Haifa. Seu pai Amós Oz, foi escritor premiado e co-fundador do Movimento PAZ AGORA ].

 

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