NYT: O Ideal de Democracia em um Estado Judeu está Ameaçado

Forças moderadoras na política e na sociedade civil israelenses já estão planejando uma resistência enérgica à legislação que reduziria os poderes da Suprema Corte de Israel, os direitos da minoria árabe ou da comunidade LGBTQ. Eles merecem apoio do público americano e do governo Biden.

[ Conselho Editorial do New York Times  |  17|12|2022  | traduzido pelo PAZ AGORA|BR  |
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As eleições israelenses podem ser dramáticas, e suas cinco últimas em quatro anos foram cheias de surpresas e estréias, incluindo a primeira vez em que um partido árabe-israelense independente se juntou a uma coalizão de governo. Esta série de governos novos e o processo às vezes tumultuado de formá-los fazem parte da orgulhosa tradição de Israel como democracia ruidosa e pluralista.

No entanto, o governo de extrema-direita que em breve assumirá o poder, liderado por Benjamin Netanyahu, marca uma ruptura qualitativa alarmante com todos os governos anteriores nos 75 anos da História de Israel. Embora Netanyahu tenha claramente apoio no eleitorado israelense, a vitória de sua coalizão foi estreita e não pode ser vista como um mandato amplo para fazer concessões a partidos ultrarreligiosos e ultranacionalistas, que estão colocando em risco o ideal de um Estado judeu democrático.

Este conselho [editorial do New York Times] tem sido um forte defensor de Israel e de uma Solução de Dois Estados por muitos anos, e continuamos comprometidos com esse apoio. O antissemitismo está em ascensão em todo o mundo, e pelo menos algumas das críticas a Israel são o resultado de tal ódio.

O governo de Netanyahu, no entanto, é uma ameaça significativa para o futuro de Israel – sua direção, sua segurança e até mesmo à ideia de uma Pátria judaica. Por um lado, a postura do governo pode tornar militar e politicamente impossível o surgimento de uma Solução de Dois Estados. Em vez de aceitar esse resultado, o governo Biden deve fazer tudo o que puder para expressar seu apoio a uma sociedade governada pela igualdade de direitos e pelo Estado de Direito em Israel, como faz em países de todo o mundo. Isso seria um ato de amizade, consistente com o profundo vínculo entre as duas nações.

O retorno de Netanyahu como primeiro-ministro, um ano e meio depois de ter sido destituído do cargo, não pode ser divorciado das alegações de corrupção que o seguiram. Ele agora está fazendo tudo o que pode para permanecer no poder, atendendo às demandas dos elementos mais extremos da política israelense. O novo gabinete que está formando inclui partidos radicais de extrema-direita que pediram, entre outras coisas, a expansão e a legalização dos assentamentos de uma maneira que efetivamente tornaria impossível um Estado Palestino na Cisjordânia; mudar o status quo no Monte do Templo, uma ação que corre o risco de provocar uma nova rodada de violência árabe-israelense; e minando a autoridade da Suprema Corte de Israel, liberando assim o Knesset, o parlamento israelense, para fazer o que quiser [por maioria simples], com pouca restrição judicial.

Os ministros do novo governo devem incluir figuras como Itamar Ben-Gvir, condenado em Israel em 2007 por incitação ao racismo e apoio a uma organização terrorista judaica. Ele provavelmente será ministro da Segurança Nacional. Bezalel Smotrich, que há muito tempo apoia a anexação total da Cisjordânia, deve ser nomeado o próximo ministro das Finanças, com autoridade adicional sobre a administração da Cisjordânia. Para o vice no gabinete do primeiro-ministro encarregado da identidade judaica, espera-se que Netanyahu nomeie Avi Maoz, que uma vez se descreveu como um “homofóbico orgulhoso”.

 

Esses movimentos são preocupantes, e os líderes dos Estados Unidos deveriam dizer isso. A principal resposta do governo Biden até agora foi um discurso cauteloso do secretário de Estado, Antony Blinken, ao grupo de defesa liberal J Street em 4 de dezembro, no qual ele declarou que os Estados Unidos lidariam com as políticas israelenses, não com indivíduos. O novo governo ainda não foi formado, por isso não é surpreendente que o Departamento de Estado ainda não tenha uma posição bem definida, mas a administração já discutiu, de acordo com um relatório no Axios, como gerenciar suas reuniões com os membros mais extremos do novo gabinete e em quais interesses centrais se concentrar.

Essa abordagem subestima as consequências potenciais da mudança na política israelense que este governo representa. O gabinete prestes a assumir o comando não é simplesmente mais uma iteração das alianças instáveis e mutáveis que se seguiram às últimas quatro eleições inconclusivas. Essas coalizões, como muitas antes delas, muitas vezes incluíam partidos religiosos ou nacionalistas marginais, mas geralmente eram mantidas sob controle por partidos políticos mais moderados ou mesmo por Netanyahu ao longo dos 15 anos em que serviu como primeiro-ministro.

Tudo isso agora está ameaçado. Os partidos de direita têm maioria absoluta no Knesset, e Netanyahu, esperando que o novo governo o salve de processos e de um possível tempo de prisão, está em seu poder. Entre os alvos dos novos líderes está a Suprema Corte de Israel, que, na ausência de uma constituição nacional, serviu para pesar as ações do governo contra o direito internacional e as próprias tradições e valores do Estado de Israel. Os nacionalistas diminuiriam essa autoridade votando para se dar o poder de anular as decisões da Suprema Corte. Não por acaso, eles também propuseram a eliminação da lei sob a qual Netanyahu enfrenta uma possível pena de prisão.

Como Thomas L. Friedman, colunista do Times que acompanhou de perto os assuntos israelenses por quatro décadas, escreveu logo após os resultados das eleições serem conhecidos: “Estamos realmente entrando em um túnel escuro”. Embora Netanyahu no passado tenha usado a “energia desse eleitorado israelense iliberal para ganhar o cargo”, escreveu Friedman, até agora, ele nunca havia dado a eles esse tipo de autoridade ministerial sobre pastas críticas de defesa e econômia.

Esta não é simplesmente uma reviravolta decepcionante em um velho aliado. A relação entre Israel e os Estados Unidos tem sido uma relação que transcende as definições tradicionais de uma aliança militar ou de amizade diplomática. Um corpo de valores profundamente compartilhados forjou laços poderosos e complexos. Um compromisso com Israel, tanto em sua segurança quanto em seu tratamento pelo mundo, tem sido um princípio inquestionável da política externa e interna americana há décadas, mesmo quando Netanyahu desafiou abertamente Barack Obama ou abraçou Donald Trump. Como Blinken disse em seu discurso, os Estados Unidos manterão Israel “nos padrões mútuos que estabelecemos em nosso relacionamento nas últimas sete décadas”.

Israel tem se movido constantemente para a direita nos últimos anos. Isso é, em parte, devido a preocupações genuínas sobre crime e segurança, especialmente após a violência entre árabes israelenses e judeus no ano passado. Muitos israelenses também expressam medo de que o processo de paz tenha fracassado por causa da falta de interesse na paz entre os líderes palestinos, um medo aumentado pelo controle do Hamas em Gaza desde 2007 e uma sensação de que o controle de Mahmoud Abbas sobre a Autoridade Palestina está chegando ao fim sem um plano de sucessão claro.

A mudança demográfica em Israel também mudou a política do país. Os judeus ultra-ortodoxos em Israel tendem a ter famílias grandes e a votar com a direita. Uma análise recente do Israel Democracy Institute descobriu que cerca de 60% dos israelenses judeus se identificam como de direita hoje; entre as pessoas de 18 a 24 anos, o número sobe para 70%. Nas eleições de 1º de novembro, o velho Partido Trabalhista, que já foi a face liberal dos fundadores de Israel, ganhou apenas quatro assentos, e o esquerdista Meretz não ganhou nenhum.

Forças moderadoras na política israelense e na sociedade civil já estão planejando uma resistência enérgica à legislação que reduziria os poderes da Suprema Corte de Israel, os direitos da minoria árabe ou da comunidade LGBTQ. Eles merecem apoio do público americano e do governo Biden.

Quaisquer que sejam os contornos do novo governo israelense, os Estados Unidos continuarão a se envolver com ele em muitas questões de preocupação compartilhada. As negociações sobre um novo acordo nuclear com o Irã estão praticamente mortas, situação que representa uma ameaça à segurança em toda a região. Os Acordos de Abraão, embora não substituam a paz com os palestinos, normalizaram as relações entre Israel e várias nações árabes. Esse é um progresso bem-vindo, e os Estados Unidos poderiam desempenhar um papel importante em ajudar a expandi-los para incluir outros países, como a Arábia Saudita.

Embora as negociações palestino-israelenses estejam há muito tempo moribundas, o princípio de um dia alcançar Dois Estados continua sendo a base da cooperação americana e israelense. As esperanças de um Estado Palestino diminuíram sob a pressão combinada da resistência israelense e da corrupção, inépcia e divisões internas palestinas. Qualquer coisa que prejudique os ideais democráticos de Israel – seja a anexação definitiva de assentamentos judaicos ou a legalização de assentamentos ilegais e postos avançados – minaria a possibilidade de uma Solução de Dois Estados.

O apoio dos Estados Unidos a Israel reflete o respeito de nossos dois países pelos ideais democráticos. O presidente Biden e Netanyahu devem fazer tudo o que puderem para reafirmar esse compromisso.


[ Conselho Editorial do New York Times  |  17|12|2022  | traduzido pelo PAZ AGORA|BR  |
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