A Esquerda e Israel

  1. O meu trauma inesquecível

    [ por Paulo Blank | 13|10|2023 | para o PAZ AGORA|BR ]

    “Não é sempre que podemos datar com precisão um momento traumático. O que vou contar tem o privilégio de ser datado e impresso. Foi no Pasquim número sete.”

“Estudante de psicologia envolvido no sonho de construir uma sociedade mais honesta, peguei o bloco de papel de cartas, caprichei na letra, e mandei um texto cheio de argumentos para o Paulo Francis discordando de um artigo seu.

Ingenuidade minha. Afinal, a minha mãe que havia passado pelo vigésimo congresso do partido comunista, onde se denunciaram as falácias da verdade stalinista, não poderia estar sempre certa quando me dizia que eu era bobo. Entre nós no Brasil, a esquerda seria diferente. Afinal, não era contra a mesma ditadura que lutávamos todos? Ledo engano. Mamãe tinha razão.

Fui destroçado numa resposta de Paulo Francis sem ver a carta publicada. A moçada ideológica da UFRJ me olhava atravessada enquanto alguns caiam na minha pele. Ao menos tive uma brilhante estreia na imprensa. Duas colunas e meia de Paulo Francis não é coisa que se deva desprezar no currículo de ninguém”.

Trecho de uma crônica do tempo em que escrevia para a Revista de Domingo do saudoso JB. Eu falava dos idos de 68 quando enviei uma carta ao Paulo Francis dizendo que ele fora preconceituoso num artigo sobre Israel e a questão palestina. Chamei o sionismo de Movimento de Libertação Nacional do Povo Judeu. Ele não gostou. Citei autores árabes para provar que, em se tratando de Oriente Médio, só a paz seria revolucionária. Me gozou porque eram livros em espanhol sem se referir aos autores. Em dias em que professores da PUC se aliam à nossa esquerda irracional, defendem o Hamas e chegam a argumentar que Israel forjou notícias sobre a incursão macabra dos terroristas linha Estado Islâmico para justificar os ataques a Gaza, resolvi revisitar minha longa trajetória de frustrações e perseverança.

Aliás, como na mesma época eu dava aula na escola Max Nordau, os pais daquela escola judaica pediram a minha cabeça por causa da mesma frase. Libertação nacional cheirava a coisa de esquerdista. Nunca foi fácil ser judeu.

PAULO BLANK, membro dos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA, é psicanalista e escritor carioca. Viveu entre 1960 e 1966 na cidade de Ashkelon, próxima de Gaza. Em 1982 participou de um núcleo de apoio no Rio ao PAZ AGORA, protestando contra a invasão do Líbano. Ashkelon foi bombardeada pelo Hamas na semana passada, e seu hospital depredado.

07|10|23 – O pouco que restou do Kibutz Be’eri, destruído por terroristas do Hamas: um adesivo do Movimento PAZ AGORA numa janela estilhaçada…

2. Solução de Dois Estados é difícil, mas o resto não é solução

Torço para que Autoridade Palestina recupere o controle de Gaza, e para que o espírito de Yitzhak Rabin ainda inspire alguém em Israel


[ por Celso Rocha de Barros | Folha de S.Paulo | 15|10|2023 A12]

O Kibutz Be’Eri, atacado pelo Hamas na última semana de maneira brutal e covarde, foi fundado por jovens socialistas. Eram membros do movimento HaNoar HaOved VeHaLomed, a “Juventude Estudantil e Trabalhadora”. No site do movimento, consta a informação de que a organização é “irmã” do Habonim Dror, fundado a partir da fusão de dois movimentos. Um deles, o Dror, de orientação socialista, teve entre seus membros brasileiros Paul Singer, um dos principais intelectuais da história do PT.

Se o leitor ficou surpreso com a associação entre Israel e a esquerda, ainda não viu nada. A guerra de independência de Israel foi ganha com armas da Tchecoslováquia comunista, e a União Soviética foi o primeiro país do mundo a reconhecer Israel. E não foi o Gorbatchov: foi o Stálin.

Existe gente mais qualificada que eu para explicar as reviravoltas geopolíticas subsequentes, mas, no final do processo, todo mundo tinha mudado de lado. A direita, que tinha uma longa história de antissemitismo, passou a defender Israel e fingir que tinha passado os anos 30 em coma.

Com o tempo, Israel foi se tornando uma democracia moderna, que proporcionou a seus cidadãos um Estado de bem-estar social importante e amplas liberdades individuais (Inclusive reconhece o casamento LGBT firmado no exterior — não existe casamento civil no país). E, ao mesmo tempo, submeteu os palestinos a uma situação colonial brutal.

Para complicar as coisas, Israel não é um colonizador típico. É um país formado a partir da diáspora de um povo que recém escapara do risco de extinção. Os europeus deram aos judeus todo direito do mundo de acreditar que, sem um Exército próprio, sua existência pode voltar a ser ameaçada.

Por isso, a maior parte da esquerda internacional defende a Solução de Dois Estados. É a posição do PT. Ela está presente, por exemplo, no “Documento Básico” do núcleo de militantes judeus do partido, a Caju (Comissão de Assuntos Judaicos), apresentado em São Paulo em maio de 1987 (“Iyar de 5747”).

Nos anos 90, os acordos de Oslo, celebrados entre o governo trabalhista de Ytzhak Rabin e a OLP de Yasser Arafat, deram a impressão de que o conflito no Oriente Médio poderia começar a ser resolvido.

Em Oslo, encontraram-se o principal representante da esquerda israelense e o movimento palestino mais próximo da esquerda mundial, [ que tinham apoio do PT ]. Trabalhistas israelenses e Fatah palestina (o grupo mais forte dentro da OLP) chegaram a conviver na Internacional Socialista por um breve período na década passada. Os israelenses saíram quando a IS aderiu ao boicote contra Israel.

Mas os radicais anti-Oslo venceram. O Hamas conseguiu tomar Gaza da Autoridade Palestina, controlada pelo Fatah. Yigal Amir, um militante de extrema direita israelense, matou Ytzhak Rabin. Um mês antes do assassinato, um jovem extremista, Itamar Ben-Gvir, apareceu na TV segurando um adereço do carro de Rabin e dizendo “já chegamos ao seu carro, chegaremos em você”. Hoje ele é ministro no governo Netanyahu.

Não sabemos se a nova ocupação de Gaza degringolará em matança indiscriminada, ou se o conflito se regionalizará.

Se conseguirmos evitar esses dois riscos, torço para que a Autoridade Palestina recupere o controle de Gaza, e para que o espírito de Rabin ainda inspire alguém em Israel. A Solução de Dois Estados é difícil, mas o resto não é solução.

Celso Rocha de Barros é servidor federal, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de “PT, uma História”.

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