Vitória eleitoral de Netanyahu foi golpe duro para o judaísmo

(ou) Manipulação da Religião para fins Políticos afronta Democracia

Ao longo de inúmeras campanhas eleitorais, Benjamin Netanyahu usou continuamente a manipulação da noção de judaísmo como meio de divisão e sedução para garantir seu próprio sucesso político.

Esta não foi uma boa semana para a frágil e limitada democracia de Israel. Ela assistiu o retorno ao poder de Benjamin Netanyahu [líder do Likud], ex-primeiro-ministro que está sendo julgado por suborno e fraude, e incitador contra a minoria árabe. Além disso, na noite da eleição, ele embarcou em uma série de acusações totalmente falsas de fraude eleitoral que  alegou – sem qualquer base na realidade – estariam ocorrendo em locais de votação de comunidades árabes.

Garantindo sua maioria estão 14 cadeiras de um partido de extrema-direita e perseguidor de árabes [até então inexpressivo ], e dois partidos de religiosos Haredim [ultraortodoxos] que detém autonomia sobre um sistema educacional onde centenas de milhares de crianças não aprendem matérias e habilidades básicas [como ciência e matematica ].
É difícil exagerar o quão terrível é este resultado eleitoral.

Mas, apesar de toda a conversa sobre a terrível ameaça agora enfrentada pela democracia israelense, ninguém está falando de como esta semana foi um duro golpe no judaísmo. Foi a culminação de um longo processo em que a percepção do que significa ser judeu em Israel foi soldada ao nacionalismo israelense.

Esta não é a primeira vez que o Likud e seus aliados de extrema-direita e Haredim conseguiram conquistar uma maioria desse tamanho (com quase todos os votos contados,
o bloco Netanyahu tem uma maioria de 64-56 ). Sob Yitzhak Shamir em 1988, eles ganharam 65 assentos. 
Mas em 2009 era um Likud diferente – nacionalista, mas laico. Os Haredim também eram diferentes: muito menos nacionalistas. E o componente de extrema-direita era menor e menos abertamente fascista.

O processo começou, é claro, 55 anos atrás, na esteira da Guerra dos Seis Dias, quando a antiga comunidade religiosa nacionalista moderada começou a se deslocar para a extrema direita. Ela assumiu a liderança do movimento de colonos e, em seguida, ganhou impulso entre os ultra-ortodoxos após o discurso “coelhos e porcos” do rabino Elazar Shach em 1990 – que deixou claro que ‘os Haredim não têm afinidade com os esquerdistas ateus’.

No entanto, foi Netanyahu quem acelerou esse processo em 1996, durante sua primeira campanha como líder do Likud. Seguindo o conselho de seu estrategista eleitoral americano Arthur Finkelstein , o Likud buscou os eleitores que sentiam que sua identidade “judaica” suplantava sua israelidade. E não foi apenas a campanha oficial liderada por Finkelstein. O Likud também teve uma campanha não oficial, lançada nos últimos dias da campanha pelos Hassidim do Chabad, que lançou no país o slogan“Netanyahu é bom para os judeus”.

Foi assim, que o derrotado – por uma mínima margem de votos –  Shimon Peres colocou em uma entrevista ao Haaretz após a eleição: “Os judeus venceram os israelenses”.

Mas Peres estava errado. Netanyahu não estava colocando “judeus” contra “israelenses” – ele estava redefinindo o significado de ambos. Produto de uma educação secular e ocidental, principalmente nos Estados Unidos, Netanyahu descobriu isso em 1996. E ao longo de suas 10 campanhas subsequentes como líder do Likud, continuou a usar o judaísmo como um meio de divisão e atração para garantir sua vitória pessoal.

Há uma linha direta do “Netanyahu é bom para os judeus” dos Chabadniks com sua pressão sobre a direita religiosa, neste épico ciclo de cinco eleições, para se fundir com os antes isolados supremacistas judeus Kahanistas. Foi como ganhou antes e agora preparou o terreno para o incrível sucesso eleitoral de Itamar Ben-Gvir nesta semana – embora Netanyahu não pretendesse que isso acontecesse. Tudo o que ele queria era que Ben-Gvir e seus parceiros se fundissem para que os votos da extrema-direita não fossem perdidos caso caíssem abaixo do limiar eleitoral.

O campo de centro-esquerda resistiu a Netanyahu na questão da defesa da democracia contra Netanyahu , tendo recuperando o poder por breves períodos em 1999, 2006 e 2021. Mas abriu mão da defesa explícita de uma identidade ‘judaica progressista’.

Ben Gvir e Smotrich - o neo-fascismo israelense estimulado por Netanyahu

Ben Gvir e Smotrich – o Neo-Fascismo israelense semeado por Netanyahu

Netanyahu e seus parceiros políticos não apenas construíram uma aliança transacional pela qual os parceiros Haredim o apoiaram como primeiro-ministro. Ele cedeu às suas demandas sobre legislação e verbas públicas para os religiosos. Eles foram muito além disso e articularam uma nova forma de identidade judaica. Fundiram a ideologia original anti-iluminista e anti-sionista Haredi de que “o novo é proibido pela Torá” com o ultranacionalismo da facção linha-dura no movimento sionista revisionista do Likud.

Quando, em 1997, Netanyahu foi ouvido sussurrando no ouvido do rabino Yitzhak Kaduri que os esquerdistas “esqueceram o que significa ser judeu”, ele estava transmitindo essa mensagem em sua forma mais básica. Israel precisava dele como primeiro-ministro porque ele se lembra do que é ser judeu. Se você é um esquerdista e não o apoia (e de acordo com Netanyahu, qualquer um que não o apoie é “parte da esquerda”, incluindo nacionalistas convictos como Avigdor Lieberman e Gideon Sa’ar), então você não sabe como ser judeu.

E se você é um judeu praticante, alguém que guarda todos os mandamentos da Torá, então você tem que apoiar Netanyahu – porque fazer o contrário seria apoiar aqueles que querem desarraigar o judaísmo da terra.

Mas apesar de Netanyahu dizer isso claramente nos últimos 26 anos, seus oponentes políticos não fizeram nada para tentar lutar por sua visão própria de judaísmo, mesmo que tivessem uma. Em vez disso, cada vez que usavam o refrão “ Mediná Iehudit ve’Democratit ” – um Estado Judeu e Democrático – eles sentiam a necessidade de enfatizar apenas a segunda parte. Ao fazer isso, eles não apenas reforçavam o argumento de Netanyahu de que estavam desconfortáveis, até envergonhados, em suas identidades judaicas, mas basicamente também estavam abrinco mão de metade da identidade central de Israel: a metade que torna Israel único.

Há muitas razões pelas quais a centro-esquerda em Israel tem sido tão fraca em definir seu judaísmo. Levaria uma coluna inteira para detalhá-las – e farei isso nas próximas semanas. Mas não há razão para que seja assim.

Nenhuma das formas de judaísmo usadas pelo campo de Netanyahu, pelos Haredim ou pelos ultranacionalistas, é judaísmo autêntico ou original. Ambas são versões modernas e reacionárias. Não deve haver nenhuma razão para judeus israelenses de esquerda que acreditam em uma parceria política e social plena com os cidadãos palestinos de Israel não terem uma identidade judaica clara também, ou se sentirem desconfortáveis ​​em expressá-la.

Afinal, se aceitarmos o fato de que nossos parceiros árabes-israelenses podem ter um conjunto complexo de identidades – israelenses, palestinos, árabes, muçulmanos, cristãos, drusos – então devemos ser capazes de expressar nossas próprias identidades complexas como judeus e israelenses. Se não conseguirmos fazê-lo, se não pudermos defender nosso próprio judaísmo enquanto israelenses, que não apoiam o autoritarismo sombrio de Netanyahu e a visão fundamentalista de seus parceiros, então qual é o sentido de viver aqui?

Netanyahu provou, em cada vitória eleitoral, que se você não pode explicar o que significa para você ser um judeu em Israel, então você também não poderá lutar pela democracia de Israel.

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