YOSSI BEILIN | 30 anos depois dos Acordos de Oslo, Israel ainda tem um parceiro

Um dos principais intervenientes nos históricos acordos reflete sobre como surgiram as decisões importantes. E por que desistir da sua visão seria desistir do sionismo.

 

[ por YOSSI BEILIN * | publicado pela Iniciativa de Genebra | 09/04/2023 | traduzido por Moisés Storch para os Amigos Brasileiros do PAZ AGORA | www.pazagora.org ]

 

O presidente dos EUA, Bill Clinton, preside cerimônia na Casa Branca que marca a assinatura do acordo de paz entre Israel e os palestinos, com o primeiro-ministro Yitzhak Rabin, à esquerda, e o líder palestino Yasser Arafat, à direita | em Washington, 13 de setembro de 1993 | Foto: AP/Ron Edmonds

A minha identidade judaica precede a minha identidade israelense. Acredito que a continuidade judaica é o objetivo máximo. Israel, para mim, além de ser minha Pátria, é a ferramenta mais eficaz para garantir a continuidade judaica, especialmente para aqueles que não estão preparados para participar de rituais religiosos.

Os dois projetos mais importantes que iniciei na primeira metade da década de 1990 – o projeto Taglit-Birthright e os Acordos de Oslo – acredito serem duas faces da mesma moeda, embora à primeira vista pareçam muito diferentes: O Taglit foi concebido para fortalecer a ligação entre jovens judeus em todo o mundo, e entre eles e os seus pares israelienses; e Oslo pretendia conduzir a um acordo israelense-palestino centrado numa fronteira permanente, garantindo uma maioria judaica em Israel durante muitos anos. Vejo ambos como componentes principais para garantir a continuidade judaica.

Durante a minha vida apoiei soluções que deveriam levar a esse objetivo. Apoiei um Estado palestino-jordaniano e o Acordo de Londres em abril de 1987, entre o Rei Hussein e Shimon Peres, que foi escrito, não por acaso, com a minha caligrafia. Depois de o então primeiro-ministro, Yitzhak Shamir, ter rejeitado o acordo, e depois de Hussein ter anunciado em julho de 1988 que estava desistindo da sua reivindicação sobre a Cisjordânia a favor dos palestinos, e depois de a OLP ter aceitado a famosa Resolução 242 do Conselho de Segurança em 1988, fiz um apelo público para abrir negociações com ele e tomei medidas no Knesset, para revogar a lei que proibia qualquer contato com a OLP.

Yitzhak Shamir surpreendeu muitos ao concordar em participar da Conferência de Madrid de 1991, após a qual começaram as negociações entre delegações de Israel e delegações da Síria e do Líbano, incluindo também uma delegação conjunta de jordanianos e palestinos. Mas logo ficou claro que ele estava fazendo tudo o que podia para evitar promovê-los. Mais tarde, ele admitiu que pretendia prolongar as negociações por dez anos. Decidi que se o Partido Trabalhista viesse a liderar o governo nas eleições de 1992, eu faria um esforço para superar as diferenças entre as posições israelense e palestina.

Pretendia iniciar conversações informais entre as partes israelenses e palestinas, chegar a acordos sobre todas as questões relacionadas com um acordo provisório, sugerir a Yasser Arafat e Yitzhak Rabin que colocassem as soluções na mesa dos chefes das delegações e obter a assinatura de um acordo de princípios, sem necessariamente saberem como o acordo foi alcançado e quem estava por trás dele.

Quando Terje Larsen, chefe do Instituto Fafo de Trabalho e Pesquisa Social, veio até mim e perguntou o que ele poderia fazer para ajudar a avançar o vacilante processo de paz, apresentei a ideia do canal informal e ele prometeu que a Noruega sediaria tal canal. Falámos sobre a possibilidade de conversações entre mim e Faisal Husseini, o palestino mais poderoso de Jerusalém Oriental, e encontrámo-nos poucos dias antes das eleições – Husseini, Larsen, o meu amigo Dr. Yair Hirschfeld, que me acompanhou nos meus contatos com o liderança palestina em Jerusalém, e eu. Decidimos que se o Partido Trabalhista vencesse as eleições e se eu tivesse uma posição política, estabeleceríamos um canal de comunicação em Oslo.

O acordo que Peres escondeu de mim

O plano não se concretizou, devido a um desenvolvimento que não considerei. Após as eleições, Rabin nomeou Shimon Peres como Ministro das Relações Exteriores e eu fui nomeado Vice-Ministro das Relações Exteriores. Depois de tudo pronto para o encontro entre mim e Hosseini em Oslo, toquei no assunto durante minha conversa diária com Peres, no final do dia. Não pensara em ir para a Noruega sem informá-lo do plano e estimei que ele não teria objeções a isso, devido à liberdade de ação que me deu nas minhas diversas posições.

Mas quando sentei na frente dele com o portfólio de assuntos que precisava discutir, vi que o rosto do Peres havia mudado em relação ao dia anterior. Perguntei por que ele estava chateado e ele me disse que marcara um encontro com Husseini (com quem costumava se encontrar ocasionalmente), mas quando informou Rabin sobre esse encontro, o primeiro-ministro exigiu que esse fosse cancelado.

Fiquei muito surpreso e então Peres me revelou um segredo, que se eu soubesse antes – não teria aceitado ser nomeado seu vice. Ele pediu desculpas por não me ter notificado antes e admitiu que se sentia muito desconfortável em me dizer que, em troca da sua nomeação como ministro dos Negócios Estrangeiros, tinha de prometer a Rabin que não manteria quaisquer negociações com os EUA, ou negociações bilaterais com as partes árabes. Nem mais nem menos.

Agora eu tinha que tomar uma decisão rápida: se eu tivesse contado a Peres sobre minha intenção de me encontrar com Husseini, ele teria me pedido para não fazê-lo, porque Rabin estaria convencido de que eu havia viajado com a permissão de Peres. Decidi não ir a Oslo e não informar Peres sobre a possibilidade de ter um canal na Noruega. Resolvi que iria apresentar a ele e a Rabin a existência do canal, somente caso tivesse um acordo assinado entre as partes. Pedi a Hirschfeld que viajasse em meu lugar, e em vez de Husseini, que não queria ir para Oslo sem mim, ele sugeriu que Ahmed Kriya (Abu Alá), o “Ministro das Finanças” palestino, fosse nomeado interlocutor de Hirschfeld. A primeira reunião em Oslo foi realizada em 20 de janeiro de 1993, quatro dias após o Knesset ter aprovado, em segunda e terceira leituras, o fim da proibição de contatos oficiais com representantes palestinos.

Aprovei que Yair incluísse o seu antigo aluno, Dr. Ron Pundak, enquanto Abu Alá, Maher al-Kurd e Hassan Asfur juntaram-se a ele no lado palestino. Já nas primeiras conversações, ficou claro que os representantes da OLP, que informaram os israelenses que representavam Arafat, estavam prontos para chegar a um acordo provisório sob a forma de autonomia na Faixa de Gaza e de uma zona autónoma em Jericó. Questões que pareciam impossíveis de se chegar a acordo em Washington foram resolvidas em Oslo. Houve crises, houve momentos difíceis e até lágrimas, mas um documento inicial já foi acertado após o segundo turno.

Entre Oslo e Washington

Quando Yair e Ron retornaram a Israel, estavam muito entusiasmados e ficou claro para nós que agora precisávamos obter a luz verde de Rabin e Peres para prosseguir em direção a um documento mais detalhado, que incluísse horários, locais exatos, etc. Durante minha reunião diária com Peres, coloquei o documento em sua mesa, e depois que ele leu e ficou muito impressionado, conversamos com Yair e Ron, e Peres disse que mostraria o documento a Rabin em sua reunião semanal.

Eu estava muito tenso. Presumivelmente, Peres teria de confirmar com Rabin as suas suspeitas de que violara o acordo entre eles e encerraria as conversações bilaterais. Eu temia que por causa disso Rabin anunciasse que estava renunciando ao novo canal. Mas Peres voltou com a aprovação de Rabin.

Não sei exatamente o que aconteceu na conversa entre os dois, mas o prazo que Rabin estabeleceu para um acordo com os palestinos, que ele repetira em todas as suas campanhas eleitorais públicas, estava cada vez mais próximo, mas ele não tinha nada em mãos . As suas outras tentativas de enviar enviados para negociar com a OLP não promoveram o processo político e, de repente, foi colocado na sua secretaria um projeto de acordo que estava em linha com as suas próprias opiniões!

Marcamos imediatamente uma terceira reunião com os palestinos. Nas semanas seguintes, o Diretor Geral do Ministério das Relações Exteriores, Uri Savir, e o assessor jurídico nomeado para o ministério, Yoel Singer, juntaram-se às negociações. O canal permaneceu confidencial, mas tornou-se oficial, e Rabin estabeleceu um fórum de quatro vias em Israel que moderou as questões e os negociadores que participaram da coordenação além dele – Peres, Singer e eu. Ele nunca adicionou outra pessoa de nenhuma das agências. Em retrospecto, Rabin foi criticado por isso.

O reconhecimento mútuo

A decisão mais importante do fórum foi responder à proposta de Abu Alá e realizar negociações secundárias que tentariam levar ao reconhecimento mútuo entre Israel e a OLP. A partir do momento em que isso aconteceu, não houve espaço para a minha consideração original de manter uma “equipe sombra” nos bastidores, que submeteria um documento às partes para assinatura. O processo de Oslo foi colocado em cena. O reconhecimento histórico entre os movimentos nacionais judaico e palestino, após anos de busca por alternativas (prefeitos, associações de aldeias e palestinos não-OLP, por um lado, e israelenses não-sionistas, por outro), foi a verdadeira reviravolta para os Acordos de Oslo.

Numa longa conversa entre Rabin e eu, disse-lhe que o que aprendi nas negociações em Oslo é que temos alguém com quem conversar e que não vale a pena desperdiçar o “encontro das estrelas” que foi criado (a fraqueza da OLP depois do apoio de Arafat a Saddam Hussein, da perda de apoio no mundo árabe, da perda do apoio soviético e da transformação do Hamas numa ameaça política, bem como da necessidade do Presidente Bill Clinton de um movimento político significativo, e do próprio compromisso de Rabin em resolver o conflito com os palestinos), a fim de desviar as conversações para um acordo permanente, e não bastaria um acordo provisório que apenas encorajaria os extremistas de ambos os lados a torpedear.

Rabin não negou a lógica da proposta, mas opôs-se a ela por duas razões. Um – se as negociações sobre o acordo permanente falharem, disse ele, seria muito difícil retomar as negociações sobre o acordo provisório; e segundo – Oslo faz parte do processo que começou na Conferência de Madrid, que adotou a ideia de Begin para o autogoverno palestino por um período de cinco anos. Quando anunciássemos os Acordos de Oslo, e quando a direita nos criticasse pela medida, poderíamos facilmente provar o fio condutor.

Como um garoto de Bar Mitzvá

No dia 31 de setembro de 1993, um dia quente em Washington, quando os Acordos foram assinados no gramado da Casa Branca, pessoas de todo o mundo vieram assistir ao acontecimento. Eu me senti como um garoto de bar mitzvá, com chefes de Estado e Ministros das Relações Exteriores vindo apertar minha mão e me parabenizar.

Quando o acordo foi assinado e Clinton, Rabin e Arafat apertaram as mãos – parecia que tinha sido assinado um acordo histórico de paz. Contudo, não foi um acordo de paz e a cerimónia exultante criou expectativas exageradas.

No outono de 1994, recebi um telefonema do Rabino-Chefe dos judeus noruegueses, Rabino Michael Melchior, perguntando se eu estava interessado em receber o Prêmio Nobel. Eu disse a ele que quem deveria receber o prêmio eram os responsáveis ​​por essa mudança, e esses eram Rabin e Peres. Melchior disse-me que a maioria dos membros do comité do Prémio Nobel da Paz estavam inclinados para o trio Rabin-Peres-Arafat, mas o membro do comité, Kåre Kristiansen, estava ameaçando se demitir (e de fato o fez) se Arafat recebesse o prémio. Foi sugerida uma opção alternativa para conceder o honroso prêmio a Mahmoud Abbas e a mim, como aqueles que dominaram o movimento nos bastidores. Recusei e pedi-lhe que pedisse desculpas em meu nome.

O aperto da direita

O acordo provisório tornou-se um acordo permanente nas mãos de Netanyahu, quando este exigiu que os palestinos agissem e cooperassem como se houvesse um acordo de paz entre as partes. Os palestinos rejeitaram várias propostas de acordo político e Israel – principalmente com construção de assentamentos na Judeia e Samaria [Cisjordânia] – contribuiu com a sua parte para a eliminação do acordo permanente.

Os Acordos de Oslo falharam porque ainda estão aqui. O “sucesso” da direita em perpetuar um acordo provisório e esperar que este se comporte como um acordo de paz está custando demasiado a todas as partes.

O principal argumento dos críticos de Oslo não é que não tenhamos tentado chegar a um acordo permanente em Oslo, mas que foi um erro grave considerar Arafat como um parceiro, e que ele teria vindo à mesa de negociações com a clara intenção de regressar a um conflito violento connosco.

Mas a verdade é que o desacordo entre nós reside na questão do consentimento para dividir a margem ocidental do Jordão entre nós e os palestinos. Aqueles que preferem a “integridade da Terra Israel” a um Estado judeu sob os auspícios de uma maioria judaica, não concordariam com qualquer parceiro palestino.

Os críticos de Oslo tendem a esquecer que as portas do inferno para o terrorismo foram abertas em fevereiro de 1994 por [Baruch Goldstein] um médico uniformizado pelas EDI e usando kipá, que assassinou 29 fiéis muçulmanos na Caverna dos Patriarcas. 40 dias depois, no final dos dias de luto muçulmano, o terrorismo suicida explodiu em Hadera e Afula.

Os críticos de Oslo não vêem qualquer ligação entre a provocação de Ariel Sharon no Monte do Templo, em Setembro de 2000, e a Intifada que eclodiu no dia seguinte. Eles têm um paradigma e não estão interessados ​​em nenhuma “interferência”.

As tentativas da direita de encontrar parceiros palestinos que não exigissem um Estado para si próprios não resultaram em nada e, mesmo que tivessem tido sucesso, teriam causado muito rapidamente uma situação em que a maioria palestiniana exigiria a realização do seu justos direitos. 

Os palestinos sob o nosso governo (como Faisal Husseini e Hanan Ashrawi) não estavam preparados para manter negociações políticas significativas conosco, argumentando que apenas a OLP, sob a liderança de Arafat, seria o agente legítimo para manter negociações com Israel.

Quando regressamos das conversações em Londres, em 1987, com um documento acordado pelo rei Hussein, e que determinava que a Jordânia assumiria a responsabilidade pelas negociações, com a cooperação dos palestins que se opõem ao terrorismo, o Likud, liderado por Shamir, derrubou nossos. passos, e o rei transferiu a Cisjordânia para mãos palestinas.

E o mais importante: se Oslo foi tão desastrosa, como é que há duas décadas eu venho apelando à sua abolição, e todos os governos de direita, incluindo o atual, se agarram a ela avidamente?

O maior obstáculo à divisão da terra é o fato da grande dispersão dos assentamentos israelenses na Judeia e Samaria [Cisjordânia], e este problema pode ser resolvido através do estabelecimento de uma confederação (com molde nos primeiros dias da União Europeia) entre Israel e um Estado Palestino, que permitiria a qualquer colono que pretesse permanecer na sua casa como cidadão israelense e residente palestino permanente, mas com uma fronteira clara entre os dois países; a extensão da sua abertura dependeria da situação de segurança no momento.

Só aqueles que não querem um acordo e não compreendem a sua importância continuarão a afirmar repetidamente que os litígios são impossíveis de resolver e que não há parceiro. 

Desistir de um acordo, na minha opinião, é desistir do sionismo.



* YOSSI BEILIN foi o principal arquiteto israelense dos Acordos de Oslo e de Genebra com os palestinos. Nasceu em 12/06/1948 em Israel.

Estadista e estudioso, serviu em várias posições ministeriais no governo de israel. Em grande parte de sua carreira política militou no Partido Trabalhista, do qual se desligou. junto com Yael Dayan para presidir o partido socialista sionista Meretz-Yachad.

Recentemente lançou a idéia de uma Confederação Israelense-Palestina (veja video abaixo), que segundo ele ajudaria a viabilizar uma Solução de Dois Estados.

A Iniciativa de Genebra permanece hoje muito ativa, com núcleos israelenses e palestinos atuando paralela e conjuntamente no sentido de fortalecer os respectivos formadores de opinião, rumo a uma Paz duradoura.

Confederation: The Realistic Two-State Solution; Yossi Beilin, Lara Friedman, Omar Dajani

Rabbi Marshall Meyer Great Issues Lecture on Social Justice Confederation: The Realistic Two-State Solution More and more, one hears that the two-state solution is no longer a plausible way to resolve the Israeli-Palestinian conflict. But what if the problem has always been the simplified way two states have been envisioned?

CONHEÇA A ÍNTEGRA DO ACORDO DE GENEBRA (versão oficial em Português elaborada pelos Amigos Brasileiros do PAZ AGORA em 2003).

Livros de YOSSI BEILIN (inglês)
The Path to Geneva: The Quest for a Permanent Solution, 1996-2003  01/06/2004
His Brother’s Keeper: Israel and Diaspora Jewry in the Twenty-first Century  22/08/2000
Israel: A Concise Political History  01/06/1994
Birthright: The True Story by Dr. Yossi Beilin
Touching Peace

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