Um dia no novo ‘Israel de Netanyahu’: ameaças, violência e apelos para encarcerar a oposição

Manifestações contra os planos do governo de Israel para enfraquecer o sistema judicial provocam acusações de traição, além de ameaças de morte contra ex-ministro e ataques a manifestantes.

[ por Allison Kaplan Sommer | Haaretz  |  11|01|2023  |  traduzido pelo PAZ AGORA|BR  |  www.pazagora.org ]

A acalorada batalha sobre a reforma judicial proposta pelo governo de Netanyahu tornou-se cada vez mais inflamada na terça-feira, com a retórica ameaçando explodir em violência real ao longo de 24 horas.

O palco foi montado pelo deputado Zvika Fogel, do Otzma Yehudit [‘Poder Judeu’, de extrema-direita], que disse em uma entrevista que os líderes da oposição estariam cometendo “traição contra o Estado” ao “incitar a nação a se rebelar”.

Tal comportamento, acusou, era uma “traição à Pátria e motivo de prisão”.

Ele nomeou quatro críticos do governo: o líder do Yesh Atid, Yair Lapid [ex-primeiro-ministro]; o chefe do Partido da Unidade Nacional, Benny Gantz; o ex-ministro da Defesa Moshe Ya’alon; e o ex-vice-ministro da Economia Yair Golan. Três desses quatro são generais aposentados das IDF. Ele os rotulou como o “povo mais perigoso de Israel no momento”. Os quatro homens, disse ele, estavam pedindo “guerra” e, portanto, “deveriam ser presos”.

O colega de partido de Fogel, Almog Cohen, ecoou o ataque aos líderes da oposição e críticos do governo, dizendo que aqueles que estavam “incitando” contra o governo deveriam ser “levados algemados”.

Os dois deputados de extrema-direita citaram uma longa lista de líderes da oposição como sendo “perigosos” em seus apelos para protestar, apontando o fogo mais forte contra o ex-ministro da Defesa Gantz. Ele já havia advertido o governo liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu que, se continuasse em sua direção atual, “a responsabilidade pela guerra civil que está se acumulando na sociedade israelense será sua”. Ele também convocou protestos em massa que “fariam o país tremer”.

Netanyahu twittou que “em um país democrático, não se prende líderes da oposição, assim como não se chama os ministros do governo de nazistas e um governo judeu de Terceiro Reich. Também não se pede aos cidadãos que lancem uma rebelião civil”.

O tuíte de Netanyahu foi uma referência a cartazes que apareceram em uma manifestação em Tel Aviv no sábado passado contra a reforma judicial de seu governo, que incluía a mensagem: “1933: Sim, podemos comparar“. Mas mesmo antes disso, a guerra de palavras se espalhou para o mundo real.

Zvi Hen, um homem de 26 anos, foi detido pela polícia em Be’er Sheva depois de supostamente dirigir seu carro sobre a calçada em direção a uma multidão de manifestantes. Eles estavam de pé diante da universidade da cidade, segurando cartazes e entoando slogans contra o plano do governo de despojar o judiciário de poderes-chave.

Os manifestantes disseram que Hen tentou atropelá-los. Depois de ser frustrado quando seu carro atingiu uma obstrução, eles alegaram que ele saiu de seu veículo, os denunciou e tentou atacá-los.

No mesmo dia, um membro do partido de Lapid, o ex-ministro da Inteligência Elazar Stern, disse ter recebido ameaças de morte. Ele disse à polícia que um homem que ligou para seu telefone alertou que, se continuasse a “incitar” contra o governo de Netanyahu, uma granada seria lançada na sua casa.

Stern pediu aos membros do governo de Netanyahu que condenem todas as expressões de violência e “diminuam o calor” quando se trata de usar palavras “perigosas e incitantes” para descrever a oposição.

Em resposta aos eventos do dia, Lapid twittou: “É assim que a democracia entra em colapso, em um dia. [O Ministro da Segurança Nacional Itamar] Ben-Gvir diz que eles usarão antifascistas contra nossos manifestantes; O deputado Fogel diz que Gantz e eu deveríamos ser presos e jogados na cadeia por traição; e na universidade eles estão tentando atropelar nossos estudantes porque estão protestando e exercendo seu direito à liberdade de expressão. Não deixaremos que eles pisem em nós e no nosso amado país”.

Junto com Gantz, Lapid taxou os movimentos do governo para reformar radicalmente o sistema judicial como um “golpe político” e prometeu combatê-los nas ruas.

A crescente tensão e as trocas de fogo entre governo e oposição só aumentaram os temores de violência nos próximos dias. Todos os olhos estão agora voltados para um protesto planejado contra as controversas reformas do governo, programado para ocorrer em Tel Aviv na noite de sábado.

 

ISTO TERMINARÁ NUM BANHO DE SANGUE

[ EDITORIAL DO HAARETZ  |  11|01|2023  |  traduzido pelo PAZ AGORA|BR  |  www.pazagora.org ]

A tentativa de atropelar manifestantes antigovernamentais em Be’er Sheva não pode ser separada do espírito de perseguição política que emana do governo Netanyahu-Ben-Gvir. Na terça-feira, uma manifestação foi realizada em frente à Universidade Ben-Gurion, durante a qual os participantes entoaram slogans protestando contra o governo e sua planejada reforma judicial.

Um jovem que passava dirigindo seu carro pela a calçada, colocando em perigo dezenas de manifestantes, saiu do veículo para gritar: “Esquerdistas, anarquistas”. Ele foi preso, mas presumivelmente é apenas uma questão de tempo até o próximo ataque.

É assim que acontece quando o governo coloca os manifestantes em risco de derramamento de sangue. Não está claro quem os manifestantes devem temer mais: transeuntes de cabeça quente que entendem que na era Ben-Gvir têm luz verde para atacar esquerdistas, ou a Polícia de Israel, que recebeu uma ordem do ministro responsável por eles para responder duramente aos manifestantes anti-governo.

É exatamente assim que se entende a instrução que o ministro da Segurança Nacional deu ao comissário de polícia Kobi Shabtai na segunda-feira: “Aja de maneira igualitária em relação aos manifestantes de direita e esquerda”. Sob o pretexto de aplicação igualitária da lei em manifestações de esquerda e direita, Ben-Gvir emitiu uma instrução para tratar os esquerdistas com mais severidade. Ele cria uma falsa impressão de que a polícia até agora tem sido leniente com os esquerdistas, como se os manifestantes perto da residência oficial do primeiro-ministro na Rua Balfour, em Jerusalém, não sentissem a mão pesada da polícia e seus métodos de dispersão de distúrbios, para não mencionar a atitude da polícia em relação aos cidadãos árabes de Israel nos protestos.

“Não use um canhão de água aqui e um canhão de água ali [ou] faça prisões aqui e ali. Se a política é prender pessoas que bloqueiam estradas. As pessoas que bloqueiam uma estrada devem ser presas”, disse Ben-Gvir. A mensagem para os policiais é clara: Use canhões de água contra manifestantes anti-governo e prenda-os, Ben-Gvir também enfatizou que os manifestantes devem ser autorizados a carregar faixas no âmbito da liberdade de expressão, “mas essa liberdade de expressão não é a liberdade de incitar, a liberdade de expressão não é uma palavra mágica que abre todos os portões“.

Em outras palavras, a polícia foi instruída a limitar a liberdade de expressão dos manifestantes antigovernamentais.

E para completar o quadro de perseguição, Shabtai, sob instruções de Ben-Gvir, ordenou que os comandantes da polícia aplicassem a proibição de levantar bandeiras palestinas em locais públicos. Isso, na verdade, já está criminalizando o ato de ser palestino.

Quando o governo incita contra seus oponentes e minorias e orienta a polícia a restringir a liberdade de expressão e protesto, e a tomar medidas mais severas, isso os coloca em risco de derramamento de sangue. E o público também entende isso. O que aconteceu em Be’er Sheva não é surpreendente.

Quem semeia o incitamento colhe violência.
E em Israel, a violência política é sempre unidirecional – da direita para a esquerda.

Comentários estão fechados.