JUDAÍSMO DIASPÓRICO E JUDAÍSMO ISRAELENSE (Bernardo Sorj) – parte III | no Brasil

Conferência Apresentada na FFLCH da USP em 06/11/2023 por Bernardo Sorj,
Professor Doutor de Sociologia na UFRJ

III – Judaísmo no Brasil  

Para finalizar, gostaria de me referir rapidamente a algumas  caraterísticas que o judaísmo latino-americano e o judaísmo brasileiro.  O judaísmo em nossa região é um judaísmo periférico, isto é, com pouca autonomia cultural, associado a uma baixa, e decrescente, densidade demográfica.

O judaísmo sempre teve um ou vários centros hegemônicos que influenciaram as diásporas periféricas, sendo historicamente o mais importante o situado na Babilônia, e na atualidade nos Estados Unidos e em Israel, em torno dos quais, a partir da segunda metade do século passado, as instituições judaicas latino-americanas passaram a orbitar. De forma simplificada, diria que do judaísmo americano recebemos a influência religiosa –do movimento conservador, do reformista e dos Lubavitch. Este último modificou o panorama do judaísmo ortodoxo tradicional, trazendo técnicas de proselitismo inovadoras, e se transformou na principal referência do judaísmo religioso ortodoxo. As correntes reformistas e conservadoras, que inicialmente se encontravam na margem da comunidade, associadas as comunidades vindas da Alemanha, passaram a concentrar o maior número de afiliados.

De Israel veio a influência política nas instituições representativas da comunidade, que passaram a ter na sua defesa uma de suas principais missões, e penetrou nas escolas judaicas através da utilização do hebraico como matéria obrigatória e em geral a utilização de símbolos, narrativas e o ensino do hebraico.

Na América Latina, a baixa densidade demográfica se expressa em uma maior dependência, seja de ordem política como psicossocial, dos centros hegemônicos, em particular de Israel, e uma produção cultural de limitada produção. Situação, esta, potencializada tanto pelo afastamento de parte dos setores seculares das instituições da comunidade quanto pela tendência de parte dos indivíduos com maiores recursos econômicos de concentrar seus apoios em grupos religiosos ortodoxos ou em Israel.

As transformações sociais, econômicas e políticas da região afetaram igualmente as caraterísticas das comunidades judias, uma área muito pobre em pesquisas empíricas. Gostaria de assinalar somente um tema, o a expansão no Brasil, mas também em outros países latino-americanos, de correntes evangélicas. O tema tem sido analisado desde a perspectiva da atual conjuntura política, em particular da utilização de grupos de extrema direita de símbolos judaicos, e, em particular da bandeira do Estado de Israel. Sem desmerecer a importância do fenômeno, acredito que existe uma outra dimensão da relação entre cultos evangélicos e judaísmo que é a de um olhar diferente do judaísmo. Em que medida este olhar pode ser dissociado dos atuais usos políticos é uma pergunta em aberto.

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Nos tempos modernos os judeus transitaram um longo caminho. Quando o grande filosofo Moisés Mendelssohn entrou em Berlin pelo portão onde passava o gado, pagando o mesmo imposto que uma cabeça de animal, no fim do século XVIII, até as sociedades atuais, em que somos cidadãos plenos, há um longo percurso marcado pelo abismo do Holocausto.

As sociedades se transformaram e, com elas, a condição judia. Seguimos enfrentando desafios particulares como uma comunidade, mas somos sobretudo, cidadãos do país em que vivemos e    parte da humanidade que enfrenta enormes desafios, desde o futuro das democracias e a crise ambiental, aos usos da inteligência artificial e conflitos bélicos.

A nova realidade requer a capacidade de olhar para o futuro, sem ficarmos paralisados em visões que olham o presente através das imagens que nos transmite o espelho retrovisor. O que não implica que devemos idealizar a complexidade da condição judaica, nem nos iludir pensando que conceitos como identidades hifenizadas ou múltiplas se referem a dimensões de nossa subjetividade e da vida social que convivem de forma harmoniosa. Nunca é o caso. Seja na vida interior ou na convivência social, enfrentamos constantemente conflitos entre o particular e o universal, e os choques entre as demandas de diversos valores, interesses e afetos. O primeiro passo, como cientistas sociais e como indivíduos, é explicitar os conflitos do presente e os herdados do passado, de forma que sejamos capazes de lidar com as exigências contraditórias de uma identidade judaica que, como toda identidade coletiva numa sociedade democrática, exige a valorização da liberdade, a autonomia e o reconhecimento, inclusive, da dimensão trágica da existência humana e dos caminhos da história.


>> Leia AQUI a Parte I: Judaísmo Diaspórico e Judaísmo Israelense

>> Leia AQUI a Parte II: Judaísmo Diaspórico e Judaísmo Israelense – MUTAÇÕES

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